quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Elogio do trabalho

“Há no trabalho, segundo a natureza da obra e a capacidade do trabalhador, todas as gradações, desde o simples alívio do tédio às satisfações mais profundas. Na maior parte dos casos, o trabalho que as pessoas têm de executar não é interessante, mas ainda em tais circunstâncias oferece grandes vantagens. Em primeiro lugar, preenche uma boa parte do dia sem haver necessidade de decidir sobre o que se há-de fazer. … Os homens ricos mais inteligentes trabalham quase tão afincadamente como se fossem pobres, enquanto as mulheres ricas ocupam o tempo com um sem número de bagatelas e estão firmemente persuadidas de que tais bagatelas têm extraordinária importância para o mundo inteiro."

Bertrand Russell, in 'A Conquista da Felicidade'

Pois eu permito-me discordar de si, Mr. Russel. O que não faria se não trabalhasse… Juro-lhe que, se tivesse e-mail, lhe poderia mandar uma lista infindável de coisas em que ocuparia o meu precioso tempo de ócio. E também não concordo com a história de as mulheres ricas se ocuparem de bagatelas. Garanto-lhe que, se fosse rica e não tivesse de trabalhar, me dedicaria a actividades bem interessantes.

Concordo, sim, vá-se lá saber porquê, com Fernando Pessoa, que, além do mais é nosso, Português, e foi funcionário, muitos anos antes, da empresa onde eu tive o meu primeiro emprego. Ora veja o que ele disse a propósito do trabalho:

"A improbidade e ineficiência profissionais são talvez as características distintivas da nossa época. … A eficiência é menos complexa, hoje em dia. A ineficiência pode, por isso, passar facilmente por eficiência…"
Fernando Pessoa, in 'Heróstato'

É isto que eu vejo. Mas tenho de trabalhar. E fazer do trabalho, apesar de tudo o que vejo, de tudo o que me aborrece, me enerva ou me revolta, um modo de vida em vez de um modo de morte.

É por essa razão, que quando, como agora e por diversas razões, o trabalho de per si não me satisfaz, valorizo ainda mais o facto de ter à minha volta algumas pessoas fantásticas, que tornam menos longas as minhas horas no emprego.

São importantíssimas para mim coisas tão aparentemente distintas como a solidariedade e o humor.
Por isso, foi tão bom ter recebido há bocado, depois de ter passado o dia a dizer que me apetecia um bolo muito doce, cheio de creme, um SMS com este texto:
“Cara colega, acabei agora mesmo de saciar a sua vontade, comendo uma enorme fatia de bolo coberta com um enjoativo doce de ovos, mesmo prejudicando a minha saúde. Os sacrifícios que um colega não faz em prol da saúde dos outros…”

Não comi bolo, mas as gargalhadas que dei com a mesma vontade não engordam nem um bocadinho, e não aumentam o colesterol. Obrigada.

5 comentários:

tcl disse...

assim a modos que parvo, o Russel neste texto que lhe sacaste...

Sofia K. disse...

Eu e a TCL andamos a comentar ao mesmo tempo!

Pois eu por mim também poderia ser dondoca rica que seria bem feliz! A arte de não fazer nada tem muito que se lhe diga... eu ocuparia bem o tempo! Acho que até seria uma mulher ocupada! As coisas que fizesse, podiam não ter importâcia para o mundo inteiro, mas teriam para mim! (egoísta!)

Quanto à fatia de bolo... essa deu-me fome e devo ir engordar porque ainda vou cear, daqui a pouco!

beijinhos e até amanhã

PSB disse...

Não resisto a comentar o tema.
Como tudo na vida é relativo...
Há, seguramente, quem corre (trabalha) por gosto e pelo puro gozo que isso lhe dá. Independentemente da necessidade e das chatices inerentes.
O próprio termo 'trabalho' é relativo. Percebo que uma função tipo 'nine to five', sem estímulo, sem interesse e, se calhar, mal paga, deixa a realização pessoal de lado. Agora que dá gozo atingirmos objectivos a que nos propusémos, enche o ego de qualquer mortal. E obstáculos pelo caminho, põe à prova a matéria de que somos feitos. Felizes dos que fazem exactamente aquilo que gostam. Felizes também dos que, não fazendo, disfarçam muito bem e têm o positivismo de dar a volta por cima. Hoje em dia, já é uma benção termos trabalho.

MariaV disse...

Até há pouco tempo, tive trabalhos que me deram gozo, e apesar de supostamente alguns serem "nine to five jobs", nunca estive neles com esse espírito. Orgulho-me imenso de, ter trabalhado por objectivos na função pública, o que é raro, e que só foi possível por ter tido um chefe brilhante. Claro que não havia incentivos em dinheiro, mas mesmo assim, dava um gozo enorme. Neste momento, resta-me tirar partido das pequenas coisas já que o trabalho propriamente dito depende de gente pequenina que literalmente não quer saber da causa pública, mas apenas dos seus umbigos... Mas tens razão, Pedro, já é uma sorte termos trabalho. Só tenho medo que isto não melhore.

ana v. disse...

Tenho a sorte de gostar do que faço, por isso não sou grande exemplo. Infelizmente, a maior parte das pessoas trabalha sem nenhum prazer ou estímulo.
Mas também acho que saberia usar muito bem o meu tempo se não precisasse de trabalhar, isso garanto!
Beijinhos